18/10/2008

ÁGUA ENGARRAFADA, ATÉ QUANDO ESSA INVERSÃO DE VALORES?


Maria de Lurdes Costa Domingos *


Que valor a água em garrafas tem? Muitas vezes um valor que supera o de um refrigerante, apesar deste não ser generosamente gratuito na natureza como aquela. Para os leigos em economia, como eu, é difícil compreender como se dá esta inversão: um produto quimicamente manipulado, portanto taxado financeiramente, acrescido de água, acabar sendo mais barato do que um produto natural, distribuído sem custos pela Mãe-Natureza.


Inserida na lógica capitalista, a água, fonte de vida e de morte, ganha contornos que transcendem a necessidade natural e torna-se mercadoria. Enquanto valor utilitário seu uso justifica lutas sociais, políticas e econômicas que invertem o status de gratuidade da vida para o de uso concessionário. E neste caso, a questão é saber qual o limite deste uso.


A crescente utilidade de água engarrafada é exemplo importante nesta reflexão. Obviamente o aumento de consumo de água acondicionada em recipientes gera benefícios financeiros a quem a comercializa e à parcela da população mais abastada que, pelo menos em tese, se vê livre da possibilidade de ser contaminado por suas impurezas.


De direito universal, o líquido precioso porque vital para a sobrevivência, já consta na lista de restrições naturais, promovendo guerras que tendem a se ampliar devido à sua escassez. Vamos nos conter em ser mais práticos.


Observando o caráter sistêmico de sustentabilidade do próprio grupo que tem poder sobre ela, não são menores os malefícios da apropriação. Enquanto aceitamos sem contestar a inversão de valores que naturaliza o consumo generalizado de água engarrafada em substituição àquele de água límpida da fonte, alimentamos uma seqüência de sérios problemas:

- enfrentamos a falta de prioridade do poder público com a qualidade da água nas torneiras de nossas casas,

- aceitamos a naturalização do consumo artificial e

- finalizamos o desperdício com lixões entupidos de garrafas descartáveis.


O poder utilitário sobre a água contida em garrafas é, portanto, uma ruptura importante do valor biológico, subjetivo, social e cultural que este precioso líquido tem para a sobrevivência da humanidade.


Parece que temos que pensar com mais seriedade neste assunto. Com a desculpa de cuidados com a saúde humana ou de adequação à vida corrida contemporânea evitamos o que há de mais essencial em nossa existência, que é cuidar da natureza como um todo. Obviamente isto exige enfrentar seus desafios, mas significa também utilizar de sua benevolência e gratuidade.


* Maria de Lurdes Costa Domingos

Pesquisadora do Grupo de Pesquisa CNPq/UFF Empresa Sociedade e Política em uma Era de Transformações
Doutora em Psicologia Social – UERJ/FAPERJ